Uma saudação a todos os amigos que aqui estão e um agradecimento ao CPPC por mais este amável convite.
Nesta sessão, proponho-me fazer uma modesta reflexão sobre a presença da América Latina nos media portugueses e sobre a actualidade da tenebrosa Doutrina Monroe, enunciada há 200 anos.
Reflexão sobre presença ausente da América Latina nos jornais
Na América Latina e nas Caraíbas vivem 662 milhões de pessoas, isto é, 8,2% da população do Planeta. Cheia de contradições, a região possui um potencial económico enorme, e só o MERCOSUL corresponde à quinta economia mundial, mas está ainda nos lugares cimeiros das desigualdades no Mundo, com a pobreza a situar-se ainda nos 32,3% da população em 2021 e a pobreza extrema nos 12,9%, segundo dados das Nações Unidas1.
É da América Latina que provém grande parte do açúcar, do café, do cacau, do algodão, que consumimos – e que tanto esquecemos de onde vem.
E é também de levar em conta os autores das literaturas universais nados e escritos em línguas latino-americanas – de Machado de Assis a Gabriel García Márquez, de Jorge Amado a Pablo Neruda, de Jorge Luís Borges a Roberto Bolaño, de José Saramago a Laura Esquivel, ou a Andrés Bello...
Se olharmos com alguma atenção para a girândola do Mundo, talvez descubramos que há um imenso subcontinente e um conjunto de ilhas onde se falam a língua que é nossa mátria e a língua que nos é irmã, ou parente, que fervilha intensamente. E também onde se sofre muito – de perseguição e de morte, como os activistas dos direitos dos trabalhadores, assassinados e massacrados.
E, todavia, se a percepção não me trai – e confesso que ainda tentei fazer um levantamento estatístico, obra de ciência para a qual sou incapaz e empresa que muito me exigiria em paciência, tempo e competência – , a América Latina raramente é tema de jornal, ou pelo menos não é tema com a frequência e sobretudo com o interesse e a atenção que merece.
Olhamos em voo rasante a actualidade mais recente e o que lemos são notícias abismadas e essencialmente receosas com o significado das transformações em curso em países nos quais se verificaram alterações de poder, com destaque para o Brasil e a heróica e difícil vitória de Luiz Inácio Lula da Silva sobre o fascistoide bronco e perigosamente extremista que dá pelo nome de Jair Bolsonaro.
Embora seja justo salientar a atenção dada ao crescimento da extrema-direita no Chile, na recente eleição do Conselho Constitucional, com o que isso pode significar de alastramento ou recuperação da extrema-adireita na região, onde ainda persistem sem castigo os crimes e assassínios pelos seus grupos paramilitares.
Bolsonaro constitui uma síntese muito interessante do que representa a extrema-direita num enorme país como o Brasil, a um tempo saudosa da ditadura militar, isolacionista e negacionista, a ponto de cortar as amarras com as organizações regionais vitais para a afirmação da autonomia da América Latina e para a confirmação dos caminhos de emancipação da região face à hegemonia dos Estados Unidos.
Olhamos as poucas notícias relativas à América Latina, em geral coadas pelo filtro do eurocentrismo de par com o condicionamento mediático remoto de Washington, e já não encontramos – é verdade – o entusiasmo devoto pelo golpismo da extrema-direita venezuelana de Juan Guaidó.
(Abro um parêntesis para fazer notar que não há uma única notícia, uma crónica, uma reportagem, a questionar o que aconteceu ao solene ultimatum, de 26 de Janeiro de 2018, da União Europeia e em particular do Governo português, para a capitulação do governo venezuelano; assim como para registar que, de repente, desapareceram dos noticiários os pungentes relatos de fome e doenças que se abateram sobre Caracas.
E ainda para salientar que ninguém cuida em escrutinar o que Guaidó e a sua pandilha fizeram a tantos milhares de milhões que lhe foram entregues pelos países amigos, ou se já foram restituídos à autoridade Venezuela legítima as largas dezenas de milhares de milhões de dólares de contas bancárias e outros activos, petrolíferos incluídos, capturados ilicitamente nomeadamente pelos Estados Unidos, Pelo Reino Unido e por… Portugal.)